terça-feira, 11 de maio de 2010

Depois da tempestade



O que dizer de "Tell Me What to Swallow", faixa final do álbum de estreia dos Crystal Castles, datado de 2008? É um caso curioso. Do conjunto de faixas do disco, já de si bastante ecléticas, esta é a faixa que parece destacar-se mais do arranjo: pela sua contenção, pela sua secção rítmica reduzida a uma guitarra em strumming, pela sua fragilidade. São momentos musicais que vão ser repescados directamente às influências shoegaze e dream pop do final da década de 80, de uma atmosfera absolutamente etérea e flutuante. Só que estamos perante uma maçã envenenada: enquanto a sua composição melódica nos embala num limbo inegavelmente belo, a sua lírica paira por territórios infinitamente mais negros. Ouve-se a voz de Alice Glass a proferir "Through the wall he threw me, I knew he'd never hurt me, Daddy watch me sleeping", sendo rematada por um suspiro quase maternal e exterior que diz "I've been praying for you silently". "Daddy's love makes me whole, without him I'm insecure, the only girl he'd ever love", ouve-se a seguir, culminando com "Is the one that smells so pure.".

As interpretações são múltiplas, mas parece-me difícil retirar uma mensagem minimamente optimista disto. Não se pode dizer que seja uma música que renuncie às suas origens: que dizer dos tempos de "Paint a Rainbow" de My Bloody Valentine, onde se sugeriam cenários necrófilos, ou mesmo o suícidio sugerido por "Sueisfine"? Não significa isto que haja parte alguma da mensagem perdida no caminho: a sua objectividade é absolutamente dolorosa. "Tell Me What to Swallow" é uma mistura de duas forças quase antagónicas que podem muito bem resultar num colapso (até por parte do ouvinte). Assustadoramente belo.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Alice practice

O Coliseu parecia uma sala demasiado grande para o evento da última terça-feira, a avaliar pela assistência que só completava metade da plateia no início do primeiro aniversário da Nokia Music Store portuguesa.

Não se pode dizer que os Youthless tenham sido a escolha mais acertada para começar a noite: o duo (por vezes trio) parece não ter grande coisa a acrescentar ao panorama musical onde se insere. Também a comunicação fragmentada entre o português e o inglês (sintomas da globalização) não os favoreceu particularmente, ainda que o facto do seu pedido de mosh tenha sido acedido pela audiência mais energética da frente de palco.

Pouco depois das 22h, os The Horrors tomavam conta do palco para debitar 90% do excelente "Primary Colours". Herdeiros directos do pós-punk, a atitude cénica encaixa perfeitamente nas composições negras da banda (ainda que se aproxime da Luz em alguns momentos-chave). A verdade é que a banda inglesa não se ficou aquém da competência que lhes era exigida, ainda que não tenha apresentado grandes rasgos que a transcendessem (em parte culpa do público que os recebeu de forma algo contida e de algumas imperfeições no som). Contudo, e ainda que o final da actuação reservasse "Sea Within a Sea" (música que em circunstância alguma parece falhar), quem os ouviu em Julho na praia do Taboão não perdeu, até aqui, grande acontecimento. Talvez também os The Horrors não tivessem o seu lugar mais favorável frente a uma plateia que ansiava pelo apocalipse que se avizinhava.



O compasso de espera de meia hora pareceu demorar infinitamente mais. Mas finalmente as luzes do Coliseu apagam-se e o palco, com o material de Ethan Kath à esquerda e a bateria ao centro, enche-se de fumo. A histeria enche então os lugares que ficaram vazios no Coliseu. Ouvem-se os primeiros ruídos de "Baptism" e percepciona-se a silhueta de Alice Glass através dos strobes. A explosão dos minutos seguintes não é passível de ser descrita: este foi um dos inícios mais energéticos de que tenho memória de assistir. Parece-me não ser exagero dizer que o público já estava conquistado ao fim da primeira música, a avaliar pelas declarações amorosas debitadas a Alice e pelo histerismo generalizado.

As investidas no primeiro álbum tiveram direito às recepções mais caóticas, ainda que ao vivo as músicas do segundo volume sejam igualmente exponenciadas. A paragem obrigatória em "Alice Practice", "Courtship Dating" ou "Doe Deer" tomaram o Coliseu de arrastão numa actuação absolutamente imparável, onde ainda houve espaço para os momentos mais etéreos de "Celestica", por exemplo, que ganha uma dimensão épica in loco.

A figura de Alice Glass é incortonável: a imagem algo contida é rapidamente dissipada num verdadeiro animal de palco, alternando entre as danças mais esquizofrénicas, o equilibrismo em cima da bateria e o crowd-surf. A verdade é que um concerto dos Crystal Castles transcende todas as barreiras de um acontecimento do seu tipo: é antes uma experiência sensorial sem paralelo irrecusável (ainda que exista quem me confirme que existiam dois pares de indivíduos absolutamente estáticos durante a actuação).




Alinhamento de Crystal Castles (04/05/2010):

Baptism
Fainting Spells
Courtship Dating
Insectica
Doe Deer
Celestica
Empathy
Reckless
Crimewave
Air War
Alice Pratice
Black Panther
Intimate

Exoskeleton
Yes No
 
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