domingo, 16 de janeiro de 2011

Metamorfose



Nina é uma bailarina que ambiciona a perfeição técnica. Quando consegue o cobiçado papel de Rainha dos Cisnes numa encenação do ballet "O Lago dos Cisnes" é confrontada com o desconfortável facto de que é precisamente isso que a separa da perfeição: o seu controlo técnico é-lhe apontado enquanto um dos factores que pôs em causa a sua escolha para o papel.

Mas "Black Swan" não começa aqui. "I had the craziest dream last night", diz Nina ao acordar de um sonho. Este sonho é, na verdade, o prelúdio do seu percurso. Nina é o Cisne Branco perfeito, em todos os movimentos e inclusivamente na sua identidade. A história complica-se quando tem de interpretar o Cisne Negro: precisamente a antítese, uma versão distorcida e perversa. Depressa se apercebe de que a tarefa se revela bastante mais complexa do que o percurso que a levou a obter o papel.

E aqui, Darren Aronofsky começa a dar cartas: começa por quase inocentes jogos de reflexos nos espelhos das salas de ensaios e bastidores, para levar a parada a outra nível. Nina começa a percepcionar a sua forma física projectada em Lily, uma bailarina que encerra em si a liberdade e libertinagem que encontram contra-ponto na pureza e fragilidade do Cisne Branco. Esta dualidade quase lynchiana é, desde logo, uma das forças motrizes de "Black Swan". Esta trata-se do confronto de duas forças antagónicas: as noções primitivas do branco e do negro. Mas, ainda com este tipo de conceitos, surge a linha ténue que as separa: as implicações deste confronto têm consequências práticas na vida de Nina, nomeadamente na relação com a sua mãe.

E o verdadeiro espelho desta mutação transmite-se de forma física. A metamorfose de Nina no Cisne Negro será, porventura, um dos maiores portentos a que a história recente do cinema assistiu. É precisamente a materialização desta metamorfose que reflecte as implicações que a sua entrega teve na sua identidade. E até aqui seria legítimo questionar até que ponto Darren Aronofsky imprimira a sua identidade ao contacto com o mundo das drogas (no sentido lato do termo, evidentemente) em "Requiem for a Dream", ao amor intemporal em "The Fountain" ou ao quotidiano do wrestler reformado em "The Wrestler". Em "Black Swan", é evidente a completa projecção da sua identidade artística na totalidade do percurso de Nina: este não é mais do que o processo criativo de um artista, com o qual apenas quem nunca se viu envolvido em tal conseguirá ficar indiferente.
 
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