sábado, 26 de fevereiro de 2011

Perdida na tradução

Filha de um dos mais bem sucedidos realizadores de Hollywood do último meio-século, Sofia Coppola foi primeiramente conhecida devido à sua inospidade como actriz no terceiro tomo de "The Godfather". Anos mais tarde vir-se-ia a revelar que o seu lugar pertencia atrás da lente. É já em 1999 que se estreia com "Virgin Suicides", um cru e indigesto relato da adolescência, transversal ao conceito de geração: não será por acaso que a história tenha lugar nem plena década de 70, quando a sua mensagem continua tão actual e urgente na actualidade. Coppola filma a adolescência com uma acutilância e proximidade raramente atingidas. O trágico conto das irmãs Lisbon terá paralelismos directos, indecifráveis apenas para quem nunca viveu esta contraditória etapa.






Em 2003, no entanto, Sofia Coppola desvia as atenções para a personagem de um actor bem sucedido e respectiva relação com uma rapariga igualmente perdida em Tóquio. "Lost in Translation" não podia, diga-se, ter título mais adequado. A acutilância em transmitir a alienação dos seus personagens revela-se novamente fulcral, mas com um dado novo: ao som dos Jesus and Mary Chain, quase se vislumbra uma luz ao fundo do túnel, para nos ser negada a seguir. Esta alienação é encontrada na sua tradução enquanto uma constante, e portanto absolutamente invariável.




O passo seguinte revelou-se improvável: um drama de época (quase) sobre a figura de Maria Antonieta. Coppola recupera Kirsten Dunst, uma das suas virgens suicidas, e introdu-la no reinado de Louis XVI. Mas a sua abordagem não podia ser mais antropológica: o peso da figura histórica é descontruído enquanto a rapariga adolescente que se vê num casamento arranjado com o Rei de França, também ele um adolescente na sua vunerabilidade. Mas, e se o seu carácter histórico se revela quase dispensável (os famosos All-Star presentes no guarda-roupa da rainha, ou a banda sonora roubada ao pós-punk da década de 80), novamente a sua mensagem é absolutamente global: não se confunda a cena do banquete que termina com o nascer-do-sol, ao som de "Ceremony", que de resto converge em si um carácter geracional raras vezes abrangido em cinema.




Em "Somewhere", voltam-se a dar cartas. Em primeiro lugar porque se confirma que Sofia Coppola precisa cada vez menos de palavras para se expressar: poder-se-á até exagerar e dizer que as cenas sem diálogos são as que mais dizem sobre a acção. Mas isto não significa um distanciamento das suas personagens, antes pelo contrário: revela antes uma profundidade orquestrada, que culmina com a tentativa de tradução por palavras. Mas é só uma tentativa, porque as palavras são sempre insuficientes. Este actor, que aproveita a ausência da mãe da sua filha para estabelecer a sua relação incompleta com o seu rebento, alcança através deste processo uma espécie de redenção pessoal - sim, porque agora o carácter individual sobrepõe-se ao global.

 
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